domingo, 29 de junho de 2008

Uvas negras.

São duas estradas nuas em que foges do que é teu
No apartamento, oitavo andar, quebro a vidraça e grito
Grito quando o carro passa: teu infinito sou eu.
[Belchior]

Carregava nas costas o fado de uma vida, por hora, estúpida e sem sentido. E completamente feliz; assim julgava. Até então.
Tinha então vivido todo esse tempo e não havia nada do que pudesse se orgulhar de ter vivido, ou conquistado. Nada.
Dos amigos uma breve saudade, não uma saudade boa de se lembrar com um aperto no peito do que havia sido. Pelo contrário. Seu rosto era tomado por um ar sarcástico e até mesmo amargo, sabia que a culpa não era deles dessa 'falta de saudade'; inconstante, podia se definir assim. Há tempos o telefone não tocava.
Queria voltar um pouco, quem sabe pudesse manter alguém próximo, ao menos para poder ouvir uma palavra de incentivo, ou um gesto de carinho que dissessem nas entrelinhas "Vá em frente". Mas ele mesmo já não acreditava nisso, se acostumou à mudar e se adaptar conforme as situações lhe convinham. E nunca houve poesia alguma nisso.

Endereços ou telefones. Nada. Estava sozinho, por si só numa espécie de jogo, ou algo tão sádico quanto. Culpava o destino às vezes. Se esquecia de não acreditava nisso, ou melhor, não se esquecia não, apenas lhe era útil. Uma boa desculpa por ter usado mal o seu livre arbítrio.

Quis rezar; não se lembrava como, e mesmo que lembrasse: - Seria em vão.
Há tempos a fé havia deixado-o.
Quis cantar; sangrava a garganta em cada sentença.
Quis rir; quem olhasse de longe, veria apenas um rosto molhado em lágrimas e uma espécie de careta, algo que indicasse medo. Ou dor.

Fastio das alegrias, entrego-se então ao prazer da lástima; se era mesmo o que buscava! Saudades vão ao longe, nas asas do destino. Se é que ainda sentia.

Tinha no semblante uma agonia clara, dessas de quem já viu muita tormenta na vida, de quem já naufragou em mar bravo e por fim continua, vivo.Tinha as unhas longas e sujas pelo sem tempo sem cuidar, tal qual o cabelo, pele já há algum tempo não sabia o que era o sol tinha um aspecto cinza-esverdeado; estagnado no tempo. E o tempo se tornou relativo demais para que ele pudesse levar em conta. Como chegara ali mesmo?

Resquícios de uma vida, que, um dia teve e lhe trazia saudades e quantas saudades. Já não conseguia ver os rostos e expressões dos que, no retrato estavam tampouco
fazia idéia dos nomes daqueles rostos borrados e sem cor - tanto quanto sua memória. Paris quem sabe, já estivera lá mesmo ou era uma dessas peças que a memória nos prega; de qualquer forma, era algum desses lugares, Paris, Londres, Praga. Qualquer capital fria e triste.
Tampouco lembrava o quando, ou mesmo o porque dela. Queria lembrar.Queria ter fé.
Fé em que algum dia em que já sem forças soltaria a foto e o quarto mal iluminado seria invadido, alguém traria a tona a luz que se ocultou tanto tempo, abrir as cortinas da alma para libertar as memórias aprisionadas em trevas, quem sabe até conseguisse andar? Fé não faria mal. Tem tanto sentimento, deve ter algum que sirva.

Queria apenas viver, acordar de manhã com o sol ainda nascendo, poder olhar em direção à ele e brindar, festejar, sorrir e cantar sem motivo algum. Queria viver, apenas. E não só.


In off. Me ocorre por fim, que. Não existe ninguém descartável nessa nossa passagem terrena.
Mas por favor, façamos o possível para de fato não sermos descartáveis. Afinal. Amanhã tem sol, e pretendo brindá-lo.

"Me veio um fundo desprezo pela minha/nossa dor mediana, pela minha/nossa rejeição amorosa desempenhando papéis tipo sou-forte-seguro-essa-sou-mais-eu. Que imensa miséria o grande amor - depois do não, depois do fim - reduzir-se a duas ou três frases frias ou sarcásticas. Num bar qualquer, numa esquina da vida."

[ Caio Fernando Abreu ]

Um pouco mais frio e mórbido. Nada demais, vai passar.



4 comentários:

Múris Picon disse...

Se não passar, vamos pra paulista, daremos as mãos e correremos sem lugar pra chegar, só correr. Depois sentamos em um banco e falaremos nossas TÍPICAS merdas.

e para Maitê disse...

- Tão triste quanto Last Days.

Adoro lê-lo.

Unknown disse...

Se um dia eu disse que adorava suas fotos, é porque não disse tudo que queria.
Adoro sua arte, Iuri. E é engraçado, pois adoro tanto quanto o desconheço!

Não sei como, nem porquê, só sei que gosto, que me chama atenção, que emociona, e que pretendo continuar sempre podendo ver e ler!

Parabéns pela arte, rapaz...
parabéns por tudo que faz!

Anônimo disse...

pra se pensar~