quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Aquele, da solidão.

Naquele dia nada ficou vivo. Sentia-se só. Sem amigos, sem amores, sem canções. Há tempos não fazia a barba – a aparência já não lhe importava – e muito menos penteava os cabelos. Refratava sentimentos a cada olhar morto a esmo. Na cabeceira havia Lênin, Machado e jornais. O café havia se tornado um vício. Assim como cigarros; iam e vinham como se fossem tragos. Bebia logo de manhã. Bebia a tarde. Bebia na solidão. E era esse o fantasma que o assombrava.
As unhas comidas, o jeans roto, a mesma camiseta branca de três dias atrás. Estava um lixo. Duas madrugadas sem dormir lhe proporcionaram pupilas pesadas, roxas e tormentas. Não parecia vivo. Já não tinha vida social. Não mais vivia.
O computador sempre ligado. O mesmo pode-se dizer da tv, mas nem uma, nem outra lhe fazia a diferença. Ele não fazia diferença. E para passar o dia escrevia. Tremia, fumava, ouvia Buarque, Elis, e Tom. A caneta era sua confidente, sua amiga. Falava por ele, já que a língua parecia não ter mais outra função, a não ser o de degustar seu bom café puro e amargo. Ele sonhava. Mas sonhava acordado, as vezes dormia e não dormia. Mal da insônia. Quando não se dorme, tudo parece real, e ao mesmo tempo insólito. E ganhava a vida assim, escrevendo. Num apartamento escuro, de aluguel atrasado e rachaduras.
O tédio se transformou num fiel companheiro, e a ilusão, uma cretina amizade. O telefone não tocava. Se não tocava, para quê uma agenda? Claro, não a tinha. A noite às vezes saia. Cruzava a Paulista descendo a Augusta. Não se misturava, bebia, ouvia o som, afogava o que tinha que se afogar.
Vegas, Inferno, Out’s. Não sabia onde estava. Parecia só mais uma madrugada, de um dia qualquer, com o mundo a sua volta, e ele a volta do mundo, mas claro, cada um no seu canto. A música vinha pesada, a iluminação precária, a cerveja já perdia o gelo, e ela pedindo um cigarro. Não sabia se era com ele, o tempo sem o convívio de alheios o fizeram desaprender a ser social. Trêmulo, tirou um do maço, e a entregou.
- E fogo ?
Foi o que pensou ouvir. Pegou o isqueiro, queimou a ponta. Mas não era a ponta que lhe interessava, mas sim, os lábios forçando o ar para dentro fazendo as cinzas caírem ao crepitar do fogo, ao início do primeiro trago. Ela virou seu copo. Ele, ainda indiferente. Ela acenou com o olho e se virou. Bebeu a mais aquele dia, não sabia o porque, mas se sentia eufórico. Não como todo mundo se sente, aos pulos. Mas ao tiritar de mãos. Daquela semana em diante, mal conseguiu pregar o olho. Tomava o dobro de café, ouvia o dobro de Buarque. Saia o dobro pelas ruas, ainda que sem se socializar. Estava numa busca. Depois daquele dia, sonhou. E o que sonhava, escreveu.






Um comentário:

Múris Picon disse...

"Por que esse garoto está tão preso?"
"Porque ele, um dia, será um grande poeta."

foi o mais bonito que já li.