segunda-feira, 1 de junho de 2009

Estojos ao chão

Mocinha abaixada no chão, com o rosto rubro de vergonha, tenta recolher os lápis e canetas que se espalharam pelo assoalho de madeira da sala de aula, "Pegue tudo" ralhou a professora lá da frente - com a autoridade de um sargento que intimida o soldado -, "Pegue e sossegue na carteira, já me canso de tantas vezes, destrambelhada que só". A menina, de pele alva, se recolhe ao seu lugar e tenta se acalmar, o rosto ainda rosado, se afunda no caderno e faz um desenho de sua professora: Quepe afundado na cabeça até os olhos, farda repleta de medalhas - uma matadora. Se riu por alguns instantes de sua obra prima, olhou para a sala e ninguém mais ria, não que ainda se importasse realmente com os colegas de classe, eles não, riam apenas por costume do ridículo, coisa da idade, não lhes queriam mal. Conversa fiada com Clarinha e Aninha, lhes mostra o desenho e todas riem abafadinho, ai se a professora ouve, aponta o lápis verde para terminar de pintar, a ponta quebrou durante a queda. Se impressionava como sempre o lápis verde se quebrava, tantas cores e todas caiam e lascavam, se tanto, mas o verde sempre tinha de ser apontado após as inúmeras quedas e ela sentia dó dele, se extinguindo antes da hora, e tão lentamente.
Sinal batendo estridente, levanta correndo a pobrezinha, e a cena repete, mas o estojo estava fechado dessa vez, ninguém nota. No ônibus senta-se ao lado de um moço dormindo, observa-o por cima das lentes do óculos e se sente familiarizada, nunca o viu e nunca mais veria e era bom tê-lo ao lado. Crespos branquinhos, um pouco calvo, pele negra por baixo do suéter antigo de quando talvez fosse mais novo, e dormia. Sacou o lápis a mocinha, desenhou um desenho belo de seu novo amigo, diferente da professora sargenta e lhe deixou sob a mão que segurava a divisória do assento. Mocinha, mocinha, distraída e destrambelhada a mocinha, não segura a freada do ônibus e bate a boca no ferro; sanguinho escorrendo do lábio e lagriminha do olho esquerdo, o cobrador solicito pula ao chão do ônibus e, cuidadoso, limpa a roupa branca "Cuidado, tá cedo pra dormir", e ri. Desce antes do ponto, despede-se do companheiro ao pular da escada do transporte, linda mocinha olha as cores que a água e o óleo do carro fizeram no chão, como se distrai a pequenina, senta no banco e olha a mancha, torcendo para o mundo não girar mais e para não estragar tão bela mancha, ela brincava com a manchinha, à distância, tão pequena já sabida de que as coisas de perto são distorcidas, tudo se torna caleidoscópico quando se aproxima, e talvez por isso o amor é tão bonito de perto, distorcido; tão óbvio, só tão pequenina assim pra entender, só tendo olhos tão tristinhos pra entender. Outro desenho, atira ao vento este, e corre pra casa sob a calçada molhada e imagina que as nuvens tem a cor de arco-íris, e as perninhsa finas passando rápidas sobre as poças, começa a gotejar, corre querida, corre pra não molhar, e ela corre até o portão cinza, abre, e então o mundo desaba em líquido. Ela ri, solta os cabelos e tira os chinelos ao entrar em casa, corre escada a cima e se tranca no quarto, encosta as costas na porta e desce se escorando, pula pra cama e abre a mochila, lápis sobre a escrivaninha, e a mocinha liga a música, e se volta para a mesa com tal alegria, e desenha, desenha tudo o que lhe vem à mente, música alta e mocinha dá traços aos sons, sol s e pondo e ela inverte as cores. No seu quarto ela é tão feliz quanto se pode ser, e não é solidão ou medo do mundo, mocinha é ela mesma.
A mãe bate na porta," Desliga o som, vai acabar surda menina", queridinha levanta num pulo, o tempo lento, os lápis caem ao chão e se espalham, ela dança em direção ao som, o chão é feito de plumas, ela desliga e as plumas somem, cuidado mocinha; ao chão, querida, ela cai sobre seus desenhos, pobrezinha ri e adormece... Durma meu bem, durma que tão cansada está, durma e logo acorde querida, teus lápis estão ao chão espalhados, parecem um arco íris se olhar bem; e a menina dorme... Enquanto sonha, ela não sabe que o lápis verde não perdeu sua ponta; foi o azul.

2 comentários:

Lígia disse...

Eu nem ia estranhar se esse texto chamasse: Um dia com Lígia, HAHAHAH!

Fabi disse...

posso-lhe dizer que um belo texto, e com diminutivos adequados a tudo.