sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Verossímil

'Ouça um bom conselho
Que eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa
Espere sentado
Ou você se cansa

Está provado, quem espera nunca alcança'
[ Chico. ]


Não que a tristeza deixe de ser assunto em sua vida, mas àquela altura, já indicava sintomas de alegria, ou algo que o valha, algo que o fizesse erguer a cabeça. Adiante, (quase), sempre.
Apanhou o telefone e por alguns instantes foi tomado de uma súbita alegria, como um cachorro prestes a receber um afago, ou um soldado ao ser resgatado; era esse o sentimento, como se uma voz branda do outro lado pudesse lhe resgatar inteiramente a alegria e acabar com o medo - tivera um pesadelo – pensou um pouco, e fez um gesto um pouco desajeitado para si mesmo, como quem quer demonstrar ‘incompreensão’, pois, não entendeu o que se passava:

- Não há ninguém, que possa estar do outro lado. Constatou.

Os olhos brilhando denunciavam que finalmente havia compreendido, e compreender então, lhe dava direito ao sal da lágrima. Chorou intensamente, pensou nos lugares aos quais ele pertencia, ou devia pertencer. Onde todos aqueles rostos e vozes foram parar?

Pensava na solidão como uma doença contagiosa, e quanto mais só se estava, menos as pessoas queriam se aproximar, como se fosse um leproso à ponto de perder uma orelha, não, não era isso, apenas precisava do brilho de outras almas, essa era sua cura; negada à ele, porém.

Tentou manter a calma, e re-organizar a mente: - Em que esquina da vida? Em qual delas não devia ter virado?

Pegou novamente o telefone, e este estava pesado, e cada vez pesando mais; soltou-o no chão, torceu para que caísse e se espatifasse. Não ocorreu, apenas fez barulho. Pegou-o então, e recolocou no gancho.

Respirou fundo, o ar que lhe entrou pelas narinas veio cortante e forte, um cheiro azedo de lágrimas e ausências; prendeu o ar, não queria mais aquilo. O sol se pondo, refletia sua luz vermelha e roxa na tela escura da T.V desligada, o apartamento tomava uma forma escura e pesada, triste; como o dono.

Se levantou e foi em direção ao banheiro, precisava lavar o rosto marcado pelo travesseiro do sofá da sala, havia ganho o travesseiro de alguma amiga, não se lembrava do nome dela e muito menos o telefone, não lembrava o telefone de ninguém, não lembrava o nome de ninguém. Olhou pela janela, a rua tinha uma tonalidade amarelada por conta dos postes, o sol já havia descido por completo, não sabia que horas eram, mas a rua estava apinhada de indivíduos, sozinhos em sua maioria, ele então se alegrou.

Estava se sentindo sujo, com um gosto de cansaço na boca, e uma inquietação na cabeça; não lhe bastou lavar o rosto, se despiu e entrou no Box do chuveiro, quebrado, não se importou, estava calor e queria sentir algo frio. Ficou no banho por um bom tempo, tinha as mãos bastante enrugadas quando saiu, odiava quando as mãos ficavam daquele jeito, tinha nojo de tocar em qualquer coisa com as mãos daquela forma.

Passou pela sala, e olhou de soslaio para o telefone, parado e imutável, do mesmo jeito que o deixou. Sentiu-se tentado a tentar ligar, apesar de tudo ainda não tinha entendido o que havia se passado de tarde, não conseguia aceitar o fato de não ter ninguém, não era possível. Sempre achou a solidão algo distante, uma desculpa para poder chorar ou procurar um psicólogo, uma solução, achava a solidão algo bom, e sempre havia se achado solitário, constatou então que não sabia o que era a solidão então. Não sabia o que era amor. Não sabia o que era felicidade. Não sabia sequer, telefonar.

Deitou-se em sua cama, queria dormir e acordar melhor, mas não adianta dormir, que a dor não passa, sentiu frio, buscou uma coberta que ganhou de sua avó ‘Deus a tenha’, pensou.

O cheiro de lágrima e ausência, se incorporou ao medo, passou a sentir medo, lembrou do pesadelo da noite anterior. Não conseguia dormir, e ficar acordado estava lhe atormentando, a rua estava mais quieta, podia ouvir a voz de Caetano ecoando do som do vizinho:

‘Onde queres o ato, eu sou o espírito; E onde queres ternura, eu sou tesão!’.O som não lhe consolava, lhe atormentava, e era incessante. Se sentiu um viciado tentando se curar, ou no caso, um solitário tentando se relacionar.

Estava no seu limite, queria morrer. Estava prestes, se dirigiu à cozinha pensando nas muitas maneiras, Caetano estava em seu fim: ‘O quereres e o estares sempre a fim,
Do que em mim é em ti tão desigual’.
Um som se misturou à voz de Caetano.

Soltou então a faca, arregalou os olhos, respirou fundo; o ar estava normal, sem medo ou ausência, chamaria aquele som misturado de ‘O quereres’, simplesmente de alegria, era porém, um mero telefone.

Tocando.





3 comentários:

e para Maitê disse...

- Solidão, copos cheios de uma vazio indesejado.
Adoro quando isso acontece, a solidão extrema, e depois o "trilililim" do telefone.


Adorei!

e para Maitê disse...

- A solidão é tão previsível quanto passageira. Já senti tanto, que hoje ela não me perturba tanto, aliás, se tornou essencial para que eu produza. Ela me traz migalhas de inspiração (covenhamos, não têm rendido muita coisa, mas é assim que é.)

e para Maitê disse...

convenhamos***