segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Aqueles pés.

'Porque o amor é uma coisa mais profunda que um encontro casual.'
( Belchior )

* * * * *

Engraçado como àquela praia lhe fazia bem toda a vez que fosse lá, e já não era mais a beleza do mar ou a sombra das palmeiras antigas, isso foi apenas no começo quando ainda não pertencia a lugar nenhum - liberdade rara.
Não se lembrava bem de como chegou à praia pois já fazia muito tempo - imaginava assim - e era algo que ficava um tanto quanto distante do que ele conseguia ou queria lembrar, pois sua antiga liberdade não lhe agradava tanto quanto parece, ser livre é coisa muito séria para ser de qualquer um, e ele sabia que não merecia tal liberdade; lembrava-se de procurar algum lugar para que pudesse pertencer, apenas, pois o ponto em que tropeçou e achou o paraíso - repito - se perdeu para sempre.
Gostava, ao amanhecer, de molhar seus pés ainda dormentes pois as idéias ficavam mais lúcidas e o passar do tempo virava uma mera eventualidade à sua percepção, e isso pouco-a-pouco lhe dava um novo tipo de distinção das coisas, um novo entendimento sobre o mundo que o cercava, e isso lhe concederia - agora por merecer - o direito de ser livre; o simples ato de molhar os pés cansados, logo pela manhã pode ser libertador em toda a simplicidade do gesto.

Pela tarde apenas observava o movimento da maré, do sol e da vida; vez e outra escrevia versos na areia, quando se sentia livre o suficiente para isso, e eram palavras belas que o vento e o tempo se encarregaram de tornar eternas e únicas, já que nunca foram e nem poderiam ser lidas por ninguém, na verdade, era apenas a precaução de ocultar os segredos de uma pessoa que molhava os pés pela manhã. Uma vez, e apenas uma, quando havia passado a tarde toda observando, decidiu que devia fixar suas palavras, e apenas daquela vez não escreveu na areia:
Talhou em rocha firme, o pensamento mais abstrato que já lhe ocorrera sobre a vida.

'O tempo, a rocha, a solidão e a liberdade; provém dos pés'

O vento se zangou por não poder roubar para si aquelas palavras e se uniu ao tempo, e ambos sopraram. Dessa forma, ele já não possuia mais os segundos e nem os minutos, e passou a sentir o tempo passar, e quando o tempo passa... Ele destrói, a liberdade a vida; e pior: A solidão.
O vento soprou com força, e outros chegaram, muitos outros chegaram e continuavam chegando à todo instante que insistia em passar, e pouco se passou e o tempo e o vento se acalmaram. Tão tarde, tão triste: A praia solitária e livre, agora estava invadida e acorrentada à tantas outras almas que vieram sopradas pelo vento e pelo tempo.
Nunca antes o paraíso entrou em ruinas de uma forma tão fugaz.

A pedra não tardou a ser estragada, a frase sumiu prontamente - sem sequer deixar vestígio, nem na mente, e na pedra.
Ele já não era o mesmo, pois o tempo passou, e ele já não molhava mais os pés, e não escrevia na areia, e já não era mais livre; da união do vento e do tempo, ele foi pouco-a-pouco sumindo, até restar somente a praia, sempre a praia.

2 comentários:

Mariana disse...

oi, a gente tem se 'comunicado' já tem algum tempo. você escreve, eu leio, cada frase sua, um suspiro meu. parabéns e obrigada pelas ótimas leituras quem tem me proporcionado. :) beijos.

e para Maitê disse...

- Quanto tempo não passo por aqui...
Olá garoto!

:)