quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Despedida de uma flor (Simplesmente bela)

Seja pra onde for
Depois da grande noite
Vai esconder a cor das flores
E mostrar a dor [ Cazuza ]


Prólogo

Gostaria que se fechassem todas as floriculturas, que suspendessem a primavera e que o inverno fosse convocado. Que os incêndios se alastrem e a chuva suma. Que matem todas as abelhas e borboletas que porventura precisem do pólem. Que nada se plante e nada germine; pois perdi minha flor.

*****

Sinto que te deixei cair, onde não sei, quando me dei conta tinha entre os dedos as raízes fundas de uma flor já sem pétalas. Dormi com uma flor e um sorriso; e já não desperto desse sonho. Essa coisa cinza de pedras e penhascos. Essa coisa antiga de temer, de sentir frio.
É tão difícil cuidar de uma flor rara:
Não há guias para isso, e tampouco as flores falam, o que torna o aprendizado completamente intuitivo nisso que chamam poesia, e também não existem muitas flores raras; como é difícil cuidar de tal beleza. Como é inefável a sensação de topar com uma destas - poucas - pelo caminho.

Ah, mas eu, perdi minha flor, não soube aprender a cuidar e ela acabou murchando; e assim eu também.

E jamais vivi tal primavera, como esta em que tive uma flor entre os dedos; não que eu a comandasse ou algo assim, de maneira nenhuma, eu estava ali como a pessoa que ela havia escolhido para espalhar teu perfume e suas cores - cores tão mutáveis, de acordo com o humor dela.
Não havia flor igual, era Tulipa amarela quando perdia a esperança de amar, era Acácia quando me amava em segredo, era Tulipa vermelha quando se declarava, era Iris ao se perder em dúvidas, era Azaléia quando tímida, era Narciso ao se preocupar consigo mesma, era Estatícia quando pura. Agora, só restam espinhos de saudade.

Tomei meu rumo por entre as pedras que se soltaram do penhasco e que ainda ecoam, e segui ainda a trilha do perfume que deixou, para que soubéssemos onde tudo isso teve início e quem sabe pudéssemos voltar, para que pudéssemos nos refugiar na paz do começo da jornada. Antes que se vá muito longe e o suave odor suma.

Guardo o cabo em um relicário, os espinhos debaixo do travesseiro. E tento não me esquecer do perfume. Não espero ser compreendido por quem não passou por uma situação parecida, mas deixo no ar:
É impossível se despedir de uma flor.

3 comentários:

Recanto do Opositor disse...

Belíssimo!Salve as flores de todas as dores...!

e para Maitê disse...

- Bonito, muito bonito!

A primavera me entristesse, me esconde.

Anônimo disse...

isso é lindo.