sábado, 23 de agosto de 2008

O Arrepio é a Rotina da Pele.

O conceito de saudade que me ocorre é tão diferente e vago aos olhos de terceiros que logo as dúvidas surgem, como que nuvens em dia de praia.

Isso que chamamos saudade, isso que sentimos e sofremos e não podemos evitar; isso que chamamos de alma triste. Não há uma forma ou um desenho para a saudade, abstrata como nenhum outro sentimento; tentar criar um formato de saudade, de acordo com nossa necessidade ou idéia, definir seus limites para tentar entender seus princípios, erro.
Atribuímos à mente o que pertence ao corpo:
- A saudade!

Sente-se a falta da imagem, do ouvido atento à voz, e dos olhos vigilantes; naturalmente tentamos amenizar essa passagem atemporal e sem nexo que a vida se torna, enquanto sentimos falta. Ouvimos músicas e espalhamos fotos pelo azulejo da sala vazia, com gestos infantis e incrédulos olhamos o que a vida fez de nós, levanta e se dirige ao telefone, entope a secretária eletrônica e senta esperando o retorno; adulando a alma cansada, e esquecendo do corpo frio.

O sentimento de falta atiça as narinas e a pele ao passar de um perfume conhecido, ou de um toque há muito, esquecido; boca contraida e sem cor se aliam às pálpebras que fecham sem perspectiva. O corpo inteiro se exibe em interjeições de ausência, que insistimos em interpretar como culpa da rotina, erro, erro, erro.
Não se cura saudade com cabeça, travesseiro e lembranças, nem com mãos e cartas, e nem com olhos e fotos; saudade se acaba:
Quando se encostam as peles brandas, e se confundem as respirações descompassadas dos amantes.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Aquele, da solidão.

Naquele dia nada ficou vivo. Sentia-se só. Sem amigos, sem amores, sem canções. Há tempos não fazia a barba – a aparência já não lhe importava – e muito menos penteava os cabelos. Refratava sentimentos a cada olhar morto a esmo. Na cabeceira havia Lênin, Machado e jornais. O café havia se tornado um vício. Assim como cigarros; iam e vinham como se fossem tragos. Bebia logo de manhã. Bebia a tarde. Bebia na solidão. E era esse o fantasma que o assombrava.
As unhas comidas, o jeans roto, a mesma camiseta branca de três dias atrás. Estava um lixo. Duas madrugadas sem dormir lhe proporcionaram pupilas pesadas, roxas e tormentas. Não parecia vivo. Já não tinha vida social. Não mais vivia.
O computador sempre ligado. O mesmo pode-se dizer da tv, mas nem uma, nem outra lhe fazia a diferença. Ele não fazia diferença. E para passar o dia escrevia. Tremia, fumava, ouvia Buarque, Elis, e Tom. A caneta era sua confidente, sua amiga. Falava por ele, já que a língua parecia não ter mais outra função, a não ser o de degustar seu bom café puro e amargo. Ele sonhava. Mas sonhava acordado, as vezes dormia e não dormia. Mal da insônia. Quando não se dorme, tudo parece real, e ao mesmo tempo insólito. E ganhava a vida assim, escrevendo. Num apartamento escuro, de aluguel atrasado e rachaduras.
O tédio se transformou num fiel companheiro, e a ilusão, uma cretina amizade. O telefone não tocava. Se não tocava, para quê uma agenda? Claro, não a tinha. A noite às vezes saia. Cruzava a Paulista descendo a Augusta. Não se misturava, bebia, ouvia o som, afogava o que tinha que se afogar.
Vegas, Inferno, Out’s. Não sabia onde estava. Parecia só mais uma madrugada, de um dia qualquer, com o mundo a sua volta, e ele a volta do mundo, mas claro, cada um no seu canto. A música vinha pesada, a iluminação precária, a cerveja já perdia o gelo, e ela pedindo um cigarro. Não sabia se era com ele, o tempo sem o convívio de alheios o fizeram desaprender a ser social. Trêmulo, tirou um do maço, e a entregou.
- E fogo ?
Foi o que pensou ouvir. Pegou o isqueiro, queimou a ponta. Mas não era a ponta que lhe interessava, mas sim, os lábios forçando o ar para dentro fazendo as cinzas caírem ao crepitar do fogo, ao início do primeiro trago. Ela virou seu copo. Ele, ainda indiferente. Ela acenou com o olho e se virou. Bebeu a mais aquele dia, não sabia o porque, mas se sentia eufórico. Não como todo mundo se sente, aos pulos. Mas ao tiritar de mãos. Daquela semana em diante, mal conseguiu pregar o olho. Tomava o dobro de café, ouvia o dobro de Buarque. Saia o dobro pelas ruas, ainda que sem se socializar. Estava numa busca. Depois daquele dia, sonhou. E o que sonhava, escreveu.






quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Gramática

O que seria,
do abraço
sem o braço?
Artigo, definido
referente
à nada.

E sem a;
seria braço,
úmero,
ombro
e solidão.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Viajarás ( 11º Mandamento )

'Um homem precisa viajar.
Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV.
Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu.'
[ Amyr Klink ]

Um homem de fato precisa viajar, romper as fronteiras de sua própria existência e compreensão, ultrapassar seus limites e ampliar seus horizontes, por mais clichê que pareça; romper com as ligações cotidianas e inventar as rotinas à sua própria vontade ou instinto. Um homem precisa viajar, precisa entender que mapas e meridianos são imaginários e criam a ilusão da distância, o mundo está ao alcance de sua vontade, viaje.

O homem precisa de um tempo apenas para si, viajar pelo seu interior e conhecer a si mesmo de muitas maneiras, o homem precisa saber sobre si melhor do que qualquer outro coisa no mundo, quem se conhece bem, tem facilidade de lidar com as coisas em sua volta, quem tem o conhecimento profundo sobre si, sabe o significado de: Liberdade!

O homem precisa sair de sua casa numa manhã de sol sob um céu de brigadeiro sem a menor idéia de onde ir, apenas com a idéia de que tem que ir, tirar os pés do chão, e botá-los na estrada; qualquer estrada. Precisa saber que a única bagagem que ele precisa, ele trará consigo ao fim da viagem, precisa entender seu lado espiritual, e quem sabe conseguir dar nome; Deus, quem sabe.

Estradas não chegam ao fim, estradas são sonhos que não acabam, são rotas sem destino; escolha a sua, e saia, ande, corra, se perca... Se encontre

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Aquele, daquele dia.

Ele não era perfeito. Nunca foi, sabia disso. Ela era. Aos olhos dele. Tudo sonho, tudo poesia. Ele gostava de ler, de escrever, de sentir. Ela, perfeita. Aos olhos dele. Ele gostava de discutir política. Gostava de filmes. Filmes de todos os tipos. Daqueles ultraviolentos, dos com histórias utópicas de paixão, dos que faziam pensar, aqueles com grandes aventuras, do anti-herói que roubava um beijo, daquele com um triangulo amoroso em que o rapaz com quem tanto se identificava, sofria, sobrava. E ela, perfeita.

Ele já sofreu. Não sabia o que era o amor por definição nem por vivencia. Jamais tinha amado alguém, sofreu, e ainda sofre por isso. Aquelas histórias que ele tanto lia, aqueles filmes que tanto assistia, que sempre se imaginava naquele contexto. Nunca conheceu. Nunca sentiu, só sonhou.
Ele era daqueles que apesar do mundo em sua volta, tinha poucos amigos. Amigos que valiam por dez ou trinta pessoas com quem convivia diariamente. Seus verdadeiros camaradas. Uns moravam pertos, outros nem tanto. Não importava, se sentia seguro e confiante perto de todos eles. E ela, simplesmente perfeita.

Ele pensava nela. E ela, nele. Não ele, aquele que não era perfeito. Ela pensava em outro, sempre pensou. No outro que estava longe. Ele sim era perfeito. Aos olhos dela. E ele, só queria ser perfeito. Aos olhos dela. Não agüentou. Contou. Ela, não mostrou certeza, ficou confusa. Ele... suspirou. Ela já não tinha o que dizer. O rapaz,se perdeu. Sofreu antes da hora. Ela diz que vai pensar, e ele, espera. Espera ser perfeito. Aos olhos dela.

sábado, 2 de agosto de 2008

Aquele, na livraria.

Entrou naquela livraria como quem não queria nada. Os cabelos desarrumados, e a barba por fazer davam-lhe um ar de mais um daqueles jovens de grandes cidades devotos ao rock n’ roll. O blazer negro sobre a camiseta branca simples fazia quase todo seu estilo, seguido por uma jeans já gasta. Um brinco numa única orelha demonstrava uma rebeldia que não combinava com os gostos do rapaz. Caminhou. Não tinha medo do tempo, naquela tarde de sexta nada parecia incomodar, só se preocupava com os livros em sua volta. Parou.

Fernando Pessoa ele buscou. Puxou um livro, folheou. Era daqueles que perdia o tempo se deliciando numa livraria numa sexta à tarde. Ouviu a porta abrir.

Entrou naquela livraria como quem não queria nada. Os cabelos lisos e educados, modelados com uma tiara; a básica maquiagem no rosto dava-lhe um ar de mais uma daquelas jovens garotas devotas a tudo que é simples e belo. A camiseta do tipo baby-look branca destacava seu corpo. A calça jeans realçava suas pernas finas, porém atraentes, terminando então com um daqueles tênis sola baixa que todo jovem usa. O rosto simples de traços delicados mostrava uma guria moleca. De olhos puxados e sorriso pequeno e desenhado, era daquelas que perdia o tempo se deliciando numa livraria numa sexta à tarde. Caminhou, procurou por poemas.

Ele, que já estava com as mãos livres, olhava por Augusto dos Anjos. Ela, passeava o indicador nos livros enfileirados, via se algo ali a interessava. Não tinham notado a presença de um do outro até o momento.

Na livraria tocava de leve uma baladinha de uma banda francesa, numa pegada meio pop-bossa nova. Foi então que tudo virou poesia.

Quando ele virou-se para a prateleira a suas costas, deu de cara com aquela jovem de um-metro-e-cinqüenta-e-pouco. Ela apresentava um ar infantil naquele momento. Encontram-se os olhares. Derreteu-se. Ele sorriu, ela respondeu abaixando a cabeça envergonhada, mas não como toda criança o faz, abaixou sua cabeça mantendo o charme, seu jogo de flerte. Ela voltou aos livros. Deu-se um momento.

- É belo.

- Como disse ?

- O livro o qual estava com as mãos sobre e não pegou. É belo.

- Então já leu ?

- Quase que toda essa sessão.

- Não me parece ser do tipo que lê.

- É como dizem, um livro vai além da capa.

- Não foi isso que falei.

E ela se virou com um sorriso, concentrada nos livros. Pegou o qual ele havia indicado, folheou. Ele sorriu mordendo os lábios, a mão direita no bolso de trás de sua calça. Levantou a cabeça como sempre faz ao ficar sem jeito, porém longe dos olhares. Suspirou.

- Eu vivo neste lugar e nunca reparei você por aqui.

- Deve ser porque nunca venho aqui.

- Um martírio.

- Diz isso pelos livros ?

- Não, pelo destino.

Mais uma vez ela sorriu, mudando de atenção. Fazia parte do seu jogo. Ele gostava.

- E gosta de ler o que?

- De tudo um pouco. Romances, prosas, contos, poesias.

- És do tipo, “jovem apaixonada” então?

- Mais ou menos. Sempre pensei que teria um amor como se tem nos livros. Já tive, terminou como se termina em um. Mas daqueles em que o amor não se termina bem.

Ficou sem o que dizer.

- Sempre há novas histórias.

- E sempre há uma a qual você nunca esquece.

- E sempre há aquela que você deixa de ler por uma capa.

Ela sorriu, olhou ele nos olhos. A sim, ele se derretia por dentro. Uma orquestra inteira estourava dentro da cabeça daquele jovem, daquelas em que se começa com os instrumentos de corda, entra os metais, e a música se entende por trovoadas da percussão com violinos. Era ecstasy em sua cabeça. Foi como ouvir Beatles pela primeira vez. Contra aquele sorriso ele nada podia.

- E quando é que pretende ler mais um romance?

- Quando me recuperar totalmente do antigo.

- E quando vai ser?

- Quando eu voltar aqui numa sexta à tarde como essa, procurando por um. Hoje fico com poesia.

- Talvez possa lhe recomendar um quando voltar.

- Já sei qual eu quero. Não vou me esquecer. Só me falta coragem para encara-lo.

- Pois até lá espero. Aí, me diz o que acha.

Ela acenou com a cabeça e se virou. Passos leves em direção ao caixa, levou um livro do Drummond. Ele, parado como uma estátua de cera. Só ouvia sua respiração. Não ia esquecer dela. Não que ele fosse alguém que não esquece rostos, não teria opção, aquilo ficou marcado, e ficaria para sempre. Ela atravessou a porta, e sumiu.

Entrou naquela livraria como quem não queria nada. Os cabelos desarrumados, e a barba por fazer davam-lhe um ar de mais um daqueles jovens de grandes cidades devotos ao rock n’ roll. O blazer negro sobre a camiseta branca simples fazia quase todo seu estilo, seguido por uma jeans já gasta. Um brinco numa única orelha demonstrava uma rebeldia que não combinava com os gostos do rapaz. Caminhou. Não tinha medo do tempo, naquela tarde de sexta nada parecia incomodar, a não ser a vontade de encontrar aquela novamente, e então, não querer mais saber de ler. Ouviu a porta abrir e sorriu.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Verossímil

'Ouça um bom conselho
Que eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa
Espere sentado
Ou você se cansa

Está provado, quem espera nunca alcança'
[ Chico. ]


Não que a tristeza deixe de ser assunto em sua vida, mas àquela altura, já indicava sintomas de alegria, ou algo que o valha, algo que o fizesse erguer a cabeça. Adiante, (quase), sempre.
Apanhou o telefone e por alguns instantes foi tomado de uma súbita alegria, como um cachorro prestes a receber um afago, ou um soldado ao ser resgatado; era esse o sentimento, como se uma voz branda do outro lado pudesse lhe resgatar inteiramente a alegria e acabar com o medo - tivera um pesadelo – pensou um pouco, e fez um gesto um pouco desajeitado para si mesmo, como quem quer demonstrar ‘incompreensão’, pois, não entendeu o que se passava:

- Não há ninguém, que possa estar do outro lado. Constatou.

Os olhos brilhando denunciavam que finalmente havia compreendido, e compreender então, lhe dava direito ao sal da lágrima. Chorou intensamente, pensou nos lugares aos quais ele pertencia, ou devia pertencer. Onde todos aqueles rostos e vozes foram parar?

Pensava na solidão como uma doença contagiosa, e quanto mais só se estava, menos as pessoas queriam se aproximar, como se fosse um leproso à ponto de perder uma orelha, não, não era isso, apenas precisava do brilho de outras almas, essa era sua cura; negada à ele, porém.

Tentou manter a calma, e re-organizar a mente: - Em que esquina da vida? Em qual delas não devia ter virado?

Pegou novamente o telefone, e este estava pesado, e cada vez pesando mais; soltou-o no chão, torceu para que caísse e se espatifasse. Não ocorreu, apenas fez barulho. Pegou-o então, e recolocou no gancho.

Respirou fundo, o ar que lhe entrou pelas narinas veio cortante e forte, um cheiro azedo de lágrimas e ausências; prendeu o ar, não queria mais aquilo. O sol se pondo, refletia sua luz vermelha e roxa na tela escura da T.V desligada, o apartamento tomava uma forma escura e pesada, triste; como o dono.

Se levantou e foi em direção ao banheiro, precisava lavar o rosto marcado pelo travesseiro do sofá da sala, havia ganho o travesseiro de alguma amiga, não se lembrava do nome dela e muito menos o telefone, não lembrava o telefone de ninguém, não lembrava o nome de ninguém. Olhou pela janela, a rua tinha uma tonalidade amarelada por conta dos postes, o sol já havia descido por completo, não sabia que horas eram, mas a rua estava apinhada de indivíduos, sozinhos em sua maioria, ele então se alegrou.

Estava se sentindo sujo, com um gosto de cansaço na boca, e uma inquietação na cabeça; não lhe bastou lavar o rosto, se despiu e entrou no Box do chuveiro, quebrado, não se importou, estava calor e queria sentir algo frio. Ficou no banho por um bom tempo, tinha as mãos bastante enrugadas quando saiu, odiava quando as mãos ficavam daquele jeito, tinha nojo de tocar em qualquer coisa com as mãos daquela forma.

Passou pela sala, e olhou de soslaio para o telefone, parado e imutável, do mesmo jeito que o deixou. Sentiu-se tentado a tentar ligar, apesar de tudo ainda não tinha entendido o que havia se passado de tarde, não conseguia aceitar o fato de não ter ninguém, não era possível. Sempre achou a solidão algo distante, uma desculpa para poder chorar ou procurar um psicólogo, uma solução, achava a solidão algo bom, e sempre havia se achado solitário, constatou então que não sabia o que era a solidão então. Não sabia o que era amor. Não sabia o que era felicidade. Não sabia sequer, telefonar.

Deitou-se em sua cama, queria dormir e acordar melhor, mas não adianta dormir, que a dor não passa, sentiu frio, buscou uma coberta que ganhou de sua avó ‘Deus a tenha’, pensou.

O cheiro de lágrima e ausência, se incorporou ao medo, passou a sentir medo, lembrou do pesadelo da noite anterior. Não conseguia dormir, e ficar acordado estava lhe atormentando, a rua estava mais quieta, podia ouvir a voz de Caetano ecoando do som do vizinho:

‘Onde queres o ato, eu sou o espírito; E onde queres ternura, eu sou tesão!’.O som não lhe consolava, lhe atormentava, e era incessante. Se sentiu um viciado tentando se curar, ou no caso, um solitário tentando se relacionar.

Estava no seu limite, queria morrer. Estava prestes, se dirigiu à cozinha pensando nas muitas maneiras, Caetano estava em seu fim: ‘O quereres e o estares sempre a fim,
Do que em mim é em ti tão desigual’.
Um som se misturou à voz de Caetano.

Soltou então a faca, arregalou os olhos, respirou fundo; o ar estava normal, sem medo ou ausência, chamaria aquele som misturado de ‘O quereres’, simplesmente de alegria, era porém, um mero telefone.

Tocando.