sábado, 27 de setembro de 2008

Impessoal

Podia ter amaciado o fim, tornado o 'a-vida-é-assim-mesmo', em 'a-vida-é-um-grande-aprendizado', e quem sabe houvesse então um caminho para voltar, ou na verdade um caminho para ir, para que pudéssemos ser novos; pois isso nunca fomos.

Imutáveis e passivos como uma equação, porque nosso início meio e fim, se perderam em suas inúmeras semelhanças; fui somente homem e foste somente mulher, não fundimos as nossas diferenças e nem nos acostumamos com as belezas em nossas qualidades, pois fui somente ouvidos enquanto era necessário a fala, e foste a fala incessante enquanto eu clamava por ouvidos.

Uma boa lembrança sequer, nem isso nos restou; nunca me vesti de alegria enquanto compravas ou usavas teus vestidos, da seda à chita, eu só via teu corpo quando despido deles, pois em tua nudez eu me vestia em desejo e cegueira, e tu deixava jazer o vestido no chão, eras pura alegria e eu pura libido; separados os prazeres.

Você tentava se manter alheia, como se não estivessemos vivendo nada daquilo, enquanto eu queria me acabar de viver toda aquela possível história, morrer de amor e seus eteceteras, mas não falávamos a mesma língua e não íamos aos mesmos lugares, eu entrava pela porta que deixavas entreaberta por ter ido me buscar em qualquer lugar onde eu nunca iria, ou que eu já não estivesse. E chego a pensar que nunca lhe vi e nem você me viu pois fomos sempre desencontros, desde o primeiro olá até o primeiro adeus, nunca dito já que não foi necessário, já que só houve saudação, e que esta foi também despedida.
Pois, mesmo que sempre houvesse a mim, e houvesse também você, nunca houve nenhum tipo de nós.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Do sonho que não quero acordar.

Acabou-se o sonho. De certo modo e consciente sempre soube, nunca foste novidade. Mas acabou, se desfez. Despetalou-se. Não que não estivesse preparado; estava – mas não estava. Não tinha chão, nada lhe tocava os pés. Nada. Nada foi o que sobrou. Acabou-se o sonho. De 3 anos, 3 meses, 3 dias, 3 minutos. Uma eternidade a qual não conseguia contar mais. Nunca contou, nunca havia se preocupado. Mas foi-se. Foi-se como o vento; onda que bate, quebra e se desfaz. Desfez-se como bolhas, dissolvendo-se enfervescidamente. Parou a música, acabou-se a dança. Susta o mundo, deu-se a prosa. Acabou. Foi-se com a força, foi se com a coragem, foi se com a vida. Não explodia mais a luz. Não refratava cores. Era uma fase estranha. Eterna fase sem sentimentos. Sem idéias, sem vontades, sem objetivos. Não mais sonhava. Não se ouvia vozes, nem sequer ouvia ecos. Já não via ruas muito menos avenidas. Não existiam movimentos; só lembranças. Preto e branco. Nada tinha vida. Já não existia mais tempo, nem juventude nem velhice. Estátuas. Lágrima salobra. Penumbra e escuridão. Acabou-se o sonho, mas não acordava, não queria abrir os olhos.
Mesmo nunca estando aqui, simplesmente foste. Para nunca mais voltar.

‘Though I know I'll never lose affection
For people and things that went before,
I know I'll often stop and think about them,
In my life I'll love you more.’

[In my life – The Beatles ]

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Aqueles pés.

'Porque o amor é uma coisa mais profunda que um encontro casual.'
( Belchior )

* * * * *

Engraçado como àquela praia lhe fazia bem toda a vez que fosse lá, e já não era mais a beleza do mar ou a sombra das palmeiras antigas, isso foi apenas no começo quando ainda não pertencia a lugar nenhum - liberdade rara.
Não se lembrava bem de como chegou à praia pois já fazia muito tempo - imaginava assim - e era algo que ficava um tanto quanto distante do que ele conseguia ou queria lembrar, pois sua antiga liberdade não lhe agradava tanto quanto parece, ser livre é coisa muito séria para ser de qualquer um, e ele sabia que não merecia tal liberdade; lembrava-se de procurar algum lugar para que pudesse pertencer, apenas, pois o ponto em que tropeçou e achou o paraíso - repito - se perdeu para sempre.
Gostava, ao amanhecer, de molhar seus pés ainda dormentes pois as idéias ficavam mais lúcidas e o passar do tempo virava uma mera eventualidade à sua percepção, e isso pouco-a-pouco lhe dava um novo tipo de distinção das coisas, um novo entendimento sobre o mundo que o cercava, e isso lhe concederia - agora por merecer - o direito de ser livre; o simples ato de molhar os pés cansados, logo pela manhã pode ser libertador em toda a simplicidade do gesto.

Pela tarde apenas observava o movimento da maré, do sol e da vida; vez e outra escrevia versos na areia, quando se sentia livre o suficiente para isso, e eram palavras belas que o vento e o tempo se encarregaram de tornar eternas e únicas, já que nunca foram e nem poderiam ser lidas por ninguém, na verdade, era apenas a precaução de ocultar os segredos de uma pessoa que molhava os pés pela manhã. Uma vez, e apenas uma, quando havia passado a tarde toda observando, decidiu que devia fixar suas palavras, e apenas daquela vez não escreveu na areia:
Talhou em rocha firme, o pensamento mais abstrato que já lhe ocorrera sobre a vida.

'O tempo, a rocha, a solidão e a liberdade; provém dos pés'

O vento se zangou por não poder roubar para si aquelas palavras e se uniu ao tempo, e ambos sopraram. Dessa forma, ele já não possuia mais os segundos e nem os minutos, e passou a sentir o tempo passar, e quando o tempo passa... Ele destrói, a liberdade a vida; e pior: A solidão.
O vento soprou com força, e outros chegaram, muitos outros chegaram e continuavam chegando à todo instante que insistia em passar, e pouco se passou e o tempo e o vento se acalmaram. Tão tarde, tão triste: A praia solitária e livre, agora estava invadida e acorrentada à tantas outras almas que vieram sopradas pelo vento e pelo tempo.
Nunca antes o paraíso entrou em ruinas de uma forma tão fugaz.

A pedra não tardou a ser estragada, a frase sumiu prontamente - sem sequer deixar vestígio, nem na mente, e na pedra.
Ele já não era o mesmo, pois o tempo passou, e ele já não molhava mais os pés, e não escrevia na areia, e já não era mais livre; da união do vento e do tempo, ele foi pouco-a-pouco sumindo, até restar somente a praia, sempre a praia.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Pronomes

Foi quando senti novamente que amar não tem remédio.
[ Caio F. ]


E, mesmo sem ver. Os meus dias, outrora solitários - entretanto vívidos, à minha própria maneira - já eram teus, e com um pouco de sorte; nossos.

Lembro me com vaga nitidez de meus dias, algumas imagens soltas e sem foco onde tentava sozinho elucidar os sonhos, e sonhar as realidades. Gostava do som de minhas mãos massageando minha própria cabeça, e se perdendo entre os cachos bagunçados e sem corte, era como se o som traduzisse as idéias também bagunçadas; solitário observava a tarde lenta e densa, tantas vezes, era como um ritual de auto-conhecimento, que não me lembro de ter concluído algo.

Pois quando eram meus, os dias, eu não possuia nada além de meu suposto ritual de auto-conhecimento incompleto; rascunhava poemas sem pronomes que simulavam dias nossos - nossos hoje, outrora somente meus. As prateleiras se amontoavam de livros bonitos e sem dedicatórias, os quais completavam os poemas sem pronomes. Músicas, filmes e sóis poentes também me acordavam para os amores sem formato, que me alimentavam os pensamentos.
Sem nome forma ou corpo, era o que restava:
- Recitar poesias ao futuro - vislumbre do que poderia ser e não era, ou o que ainda não existia mas podia se imaginar.

E passavam os dias - meus - nesse estado sem ânimo, escrevendo poemas sem donos, e idealizando amores sem rostos.

Minha cama. Meus sonhos e devaneios. As cores - quentes ou frias - dos meus dias.
Meus sorrisos, meus afagos, meu tempo e espaço. Minhas idéias, minhas palavras e meus desejos, nos meandros de minha solidão se tornaram... Teus.

Do (meu) amor, meu sorriso faz a rubrica; do teu rosto meu olho fez retrato.
E em seus lábios minha boca fez promessa.
Agora, em nossos dias.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Aquele, dos vagos pensamentos.

A água gelada que batia e descia pelo rosto, banhando então o corpo lhe trazia uma sensação astral. Como se uma energia ruim estivesse sendo expelida pelos poros de sua pele e dissolvendo-se no ar. Sumindo.

Seus dias eram sempre iguais. A rotina de sempre; intercalada entre estudos, leituras, e cólera aos fins da semana. Eram dias difíceis os quais enfrentava, onde tudo era uma mesmice, e tal mesmice viciosa não lhe fazia sentir vivo. Apenas mais um no mundo. Mais um chip do sistema.
Não sonhava. Havia se cansado de sonhos – e preces também – não tinha metas, não tinha objetivos. Já não se importava, tudo era como era e pronto. Consumavam-se os pensamentos em tal idéia. Já não tinha forças para querer mudar. A toalha já havia sido jogada... Fazia tempo.


Fechava os olhos e apenas branco lhe vinha na cabeça. Embaixo do chuveiro, com a cabeça para o céu - como que estivesse orando - não pensava em nada. A não ser, em um sorriso. Sorriso o qual, na realidade, nunca havia visto cara-a-cara. Sabia como ele era. Mesmo que congelado nas fotografias, onde o conheceu, conseguia imaginar tal sorriso em movimento, a cinco palmos de sua face. E junto dele os olhos, os lábios, o formato maçante das bochechas. A respiração ofegante, porém fraca sobre o seu rosto. Podia sentir o cheiro, já até imaginava. Algo doce. Não daqueles perfumes as quais todas usam, era um cheiro próprio. Vinha da pele, dos cabelos, do couro. Um cheiro propriamente dela.
Esboçou um sorriso – não sorria a tempos naqueles dias – e colocou ambas as mãos na nuca, juntando os cotovelos. Pela primeira vez – há muito tempo – sentia-se novamente vivo. Nem a glacial temperatura da água sobre o corpo poderia esfriar tal calor que sentia por dentro. O qual enchia os pulmões. Uma mistura de medo, euforia e vontade pelo desconhecido. Ela conseguiu aquilo que ninguém havia conseguido. Alegrava o rapaz, fazia o viver.
Passou a mão pela válvula na parede. A água foi se tornando escassa até então cessar. Puxou a toalha, começou a esfregar o rosto. Pouco a pouco secava o corpo ainda nu. Cabelo, tronco, pernas e braços. Finalizando então com a toalha enrolada na cintura, uma espécie de meia-toga-greco-romana. A sua frente, via a si mesmo. Encarava-se através do espelho.
Parecia até mais vivo do que antes. A fadiga dos olhos já sumira junto das olheiras. Mantinha a barba curta, e os cabelos ajeitados com a mão - nada de pente. A aparência jovial acentuava-se cada dia mais, desde que a conhecera. E, diga-se de passagem, depois daquele dia, cor a cor, foi refratando novamente a sua vida.
Ainda parado, aproximou-se cada vez mais de seu reflexo. E como que encarando a si mesmo - olhando sua face à qual fantasiava sendo a dela - nasce um sorriso de lábios, e consigo pensa; “tem que ser você”.




“Há um muro de concreto entre nossos lábios.
Há um muro de Berlim dentro de mim.
Tudo se divide; todos se separam.
A diferença é o que temos em comum...”.

[Engenheiros do Hawaii]